BLOG PARA DIVULGAÇÃO DA LITERATURA RUSSA AOS FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA.

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um poema de Púchkin que foi publicado postumamente, com o título de "Do português" (С португальского). O título inusitado se deve ao fato de que o poema não é um trabalho original, mas uma tradução (ou, mais propriamente, uma transcriação) que Púchkin fez de um poema de Tomás Antônio Gonzaga, a Lira IX da Marília de Dirceu.

Púchkin traduziu de forma bem livre o poema, e uma das diferenças já pode ser vista mesmo por quem não entende russo, simplesmente comparando as estruturas dos poemas lado a lado: as estrofes de Púchkin têm quatro versos, contrastando com os cinco do original.

С ПОРТУГАЛЬСКОГО


Там звезда зари взошла,
Пышно роза процвела.
Это время нас, бывало,
Друг ко другу призывало.

На постеле пуховой,
Дева сонною рукой
Отирала томны очи,
Удаляя грезы ночи.

И являлася она
У дверей иль у окна
Ранней звездочки светлее,
Розы утренней свежее.

Лишь ее завижу я,
Мнилось, легче вкруг меня
Воздух утренний струился;
Я вольнее становился.

Меж овец деревни всей
Я красавицы моей
Знал любимую овечку —
Я водил ее на речку,

На тенистые брега,
На зеленые луга;
Я поил ее, лелеял,
Перед ней цветы я сеял.

Дева издали ко мне
Приближалась в тишине,
Я, прекрасную встречая,
Пел, гитарою бряцая:

«Девы, радости моей
Нет! на свете нет милей!
Кто посмеет под луною
Спорить в счастии со мною?

Не завидую царям,
Не завидую богам,
Как увижу очи томны,
Тонкий стан и косы темны».

Так певал, бывало, ей,
И красавицы моей
Сердце песнью любовалось;
Но блаженство миновалось.

Где ж красавица моя!
Одинокий плачу я —
Заменили песни нежны
Стон и слезы безнадежны.

LIRA IX


A estas horas
Eu procurava
Os meus Amores;
Tinham-me inveja
Os mais Pastores.

A porta abria,
Inda esfregando
Os olhos belos,
Sem flor, nem fita,
Nos seus cabelos.

Ah! que assim mesmo
Sem compostura,
É mais formosa,
Que a estrela d’alva,
Que a fresca rosa.

Mal eu a via,
Um ar mais leve,
(Que doce efeito!)
Já respirava
Meu terno peito.

Do cerco apenas
Soltava o gado,
Eu lhe amimava
Aquela ovelha
Que mais amava.

Dava-lhe sempre
No rio, e fonte,
No prado, e selva,
Água mais clara,
Mais branda relva.

No colo a punha;
Então brincando
A mim a unia;
Mil coisas ternas
Aqui dizia.

Marília vendo,
Que eu só com ela
É que falava,
Ria-se a furto,
E disfarçava.

Desta maneira
Nos castos peitos,
De dia em dia
A nossa chama
Mais se acendia.

Ah! quantas vezes,
No chão sentado,
Eu lhes lavrava
As finas rocas,
Em que fiava!

Da mesma sorte
Que à sua amada,
Que está no ninho,
Fronteiro canta
O passarinho;

Na quente sesta,
Dela defronte,
Eu me entretinha
Movendo o ferro
Da sanfoninha.

Ela por dar-me
De ouvir o gosto,
Mais se chegava;
Então vaidoso
Assim cantava:

"Não há Pastora,
"Que chegar possa
"À minha Bela,
"Nem quem me iguale
"Também na estrela;

"Se amor concede
"Que eu me recline
"No branco peito,
"Eu não invejo
"De Jove o feito;

"Ornam seu peito
"As sãs virtudes,
"Que nos namoram;
"No seu semblante
"As Graças moram."

Assim vivia...
Hoje em suspiros
O canto mudo;
Assim, Marília,
Se acaba tudo.


Além disso para perceber também que o poeta russo deu uma resumida no poemacortando trechos do original, que é visivelmente mais longo. A tradução literal abaixo (não precisamos de uma rimada, pois temos o original de Gonzaga, certo?) evidencia o que foi incluído, e o que foi deixado de fora:





DO PORTUGUÊS



Subiu a estrela da manhã
A rosa floresceu pomposa.
Essa hora – acontecia
Um para o outro nos atraía.

Em uma cama de penugem
Com a mão sonolenta, a virgem
Esfregava os olhos lânguidos,
Apagando as visões da noite.

E aparecia ela
Na porta, ou na janela
Mais brilhante que a estrela inaugural 
Mais fresca que a rosa matinal.

E assim que eu a avistava
Parecia-me que o ar em volta
Passava a fluir mais leve;
E eu me tornava mais livre.

Dentre todas as ovelhas desta aldeia
Eu conhecia a ovelhinha
Preferida da minha bela
Eu a levava ao ribeirinho,


Às margens sombreadas

Às várzeas esverdeadas;
Dava-lhe de beber e a acalentava,
Diante dela, flores semeava.

A virgem veio, de longe, a mim
Aproximou-se em silêncio,
Eu, ao encontrar a beldade,
Cantava, cingindo o violão.

Não no mundo donzela
Mais bela que a minha alegria, não!
Quem ousará, sob a lua,
Competir comigo em felicidade?

Eu não invejo os reis,
Não invejo as divindades,
Quando vejo os olhos lânguidos,
O talhe fino, e as tranças escuras”.

Assim – ocorria – eu cantava para ela
E o coração da minha bela
Deleitava-se com a canção;
Mas extinguiu-se a benção.


Onde está minha beldade?

Solitário, eu lamento –
As canções meigas foram trocadas
Por gemido e lágrimas desesperadas.


Não se tem notícia de que Púchkin soubesse portuguêsentão tudo indica que a tradução foi indireta
É bastante simbólico que a primeira tradução de literatura brasileira para o russo tenha sido feitajustamentepelo "paida língua russao poeta Aleksandr Púchkin.

Prenúncio de uma relação literária fadada a dar certo, talvez?

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