A Princesa CATARINA ROMANOVNA VORONTSOVA-DASHKOVA (1743 – 1810), nascida Condessa Vorontsova, foi uma das personalidades notáveis do Iluminismo Russo, política, escritora e tradutora, fomentadora das ciências e principalmente da filologia russa. Era amiga e correligionária da imperatriz Catarina II e participou ativamente no golpe de Estado que a levou ao poder, em 1762.
Sendo de origem nobre e rica (sua mãe vinha de uma família de comerciantes, seu pai era um conde, senador e general), Catarina recebeu uma excelente educação “francesa pura”, o alto padrão para as moças da época: línguas, dança e desenho. Além disso, acabou se apaixonando pela leitura por acaso durante um período em que teve que ficar de repouso no campo, para se curar de sarampo, e se tornou uma das mulheres mais instruídas do seu tempo. Seus escritores favoritos eram Bayle, Montesquieu, Voltaire, Boileau e Helvétius.
Em fevereiro de 1759, Catarina casou-se com o Príncipe Mikhail Ivanovitch Dashkov e se mudou com ele para Moscou. Teve três filhos, Anastasia (1760), Mikhail (1761) e Pavel (1763) antes da morte do marido, em 1764.
Desde cedo ela se envolvia em questões diplomáticas. O irmão e o tio — em cuja casa foi educada — eram diplomatas, e ainda na infância ela revolvia os documentos diplomáticos do tio e acompanhava o curso da política russa. Catarina nasceu e cresceu durante um período da história russa marcado por intrigas e rápidos golpes de estado (1725 – 1762), que possibilitou o desenvolvimento, nela, de ambição e do desejo de desempenhar um papel histórico, o que ela conseguiu.
Ainda jovem, Catarina ligou-se à corte e se tornou uma das líderes do movimento de apoio à ascensão da esposa do tsar, Catarina Alekseievna, ao trono. Em 1758, ela foi recomendada a Sua Alteza Imperial Catarina Alekseievna como “uma jovem que passa quase todo o seu tempo estudando”, e conheceu-a pessoalmente. Não era apenas a disposição pessoal que unia Dashkova e a Alteza Imperial, mas também os interesse literários, segundo trecho das memórias de Dashkova:
“Na época sobre a qual falo, pode-se dizer que, provavelmente, não se encontrava na Rússia nem duas mulheres que, como Catarina e eu, se ocupassem seriamente da leitura; foi daí, entre outras coisas, que nasceu nossa afeição mútua, e como a Alteza Imperial possuía um encanto avassalador quando ela queria agradar, é fácil imaginar como ela necessariamente cativaria a mim, um ser extraordinariamente impressionável de quinze anos”.
A aproximação definitiva com Catarina Alekseievna aconteceu no final de 1761, quando Pedro III assumiu o trono. Dashkova participou no golpe de estado contra Pedro III, em que pese o imperador ser seu padrinho e sua irmã Isabel Vorontsova, favorita do tsar, podendo vir a se tornar nova esposa dele. Já tendo concebido o golpe de Estado, e ao mesmo tempo desejando permanecer na sombra até a hora dele, Catarina Alekseievna elegeu como seus principais aliados Grigóri Orlov, que fazia propaganda entre as tropas, e a princesa Dashkova, para espalhar a conspiração entre os dignitários e aristocratas.
Consumado o golpe, no entanto, as maneiras francas de Dashkova, seu desprezo aberto para com os favoritos da corte e o sentimento de que seus serviços estavam sendo subestimados — pois ela não passou a participar dos negócios do governo na medida em que julgava merecer — levaram a um afastamento entre ela e Catarina II. Supostamente após uma recusa da imperatriz em nomeá-la coronela da Guarda Imperial, Dashkova pediu permissão para viajar para o exterior.
Após uma jornada pela Rússia em 1768, Dashkova ganhou permissão para partir para o exterior em 1769 e viajou por três anos, visitando a Inglaterra, a França, a Suíça, a Prússia. Na ocasião, foi recebida com grande respeito nas cortes estrangeiras. Sua reputação literária e científica garantiu-lhe o acesso à comunhão de cientistas e filósofos nas capitais da Europa. Em Paris, ela lançou as bases de uma forte amizade com Diderot e Voltaire. Ela também passou os anos de 1775 a 1782 no estrangeiro, para acompanhar seu filho que estava estudando na Universidade de Edimburgo. Mais uma vez ela visitou Paris, a Suíça, a Alemanha e a Itália. Morou por alguns anos na Escócia, onde se comunicava frequentemente com Adam Smith, William Robertson, a quem confiou a educação do filho, e outros líderes do Iluminismo escocês. Mais tarde, em 1789, Dashkova seria a primeira mulher eleita para integrar a American Philosophical Society.
Em 1782, Dashkova voltou para a capital russa, e suas relações com a imperatriz melhoraram. Catarina II apreciava muito o gosto literário de Dashkova, mas infundiu-lhe respeito sobretudo o desejo de Dashkova de elevar o russo à categoria dos grandes idiomas literários da Europa. A imperatriz designou Dashkova diretora da Academia de Ciências de São Petersburgo.
Catarina Romanovna Vorontsova-Dashkova se tornou a primeira mulher no mundo a dirigir uma Academia de Ciências. No seu discurso de posse como presidente da Academia de Ciências, Dashkova expressou certeza de que as ciências não se constituiriam num monopólio da academia, mas “sendo apropriadas por toda a Pátria e enraizando-se, florescerão”. Por iniciativa dela e com essa finalidade, a academia organizava aulas públicas anualmente, durante os quatro meses do verão, que eram muito bem-sucedidas e atraíam um grande número de espectadores. Dashkova aumentou o número de estudantes bolsistas da Academia e de alunos da academia de belas-artes. Alguns jovens eram enviados para a conclusão de sua instrução na Universidade de Göttingen.
Também por uma proposta de Dashkova, foi fundada em 1873 a Academia Imperial da Rússia (ou Academia Russa), que tinha o estudo científico do idioma russo como um de seus principais objetivos, e Dashkova se tornou sua primeira presidente. A realização científica mais importante da Academia Russa foi a edição do Tolkovyi slovar russkogo iaziká (Dicionário semântico da língua russa). Nesse trabalho coletivo, pertence a Dashkova a seleção das palavras para as letras Ц, Ш е Щ, além da complementação das seleções de muitas outras letras; ela também trabalhou na redação das definições, principalmente nas que denotavam qualidades morais. Na reunião da Academia Russa de 18 de novembro de 1783, Dashkova propôs usar a letra “Ёё”, perguntando a Derjavin, Fonvizin, Kniajnin e aos demais presentes se era razoável escrever “ioлка” e se não seria muito mais razoável trocar o dígrafo "io" por uma única letra, “ё”.
A fundação de um departamento de tradução (em substituição à “assembleia de tradutores” ou “assembleia russa”) visou possibilitar que a sociedade russa lesse as melhores obras das literaturas estrangeiras no idioma natal. Uma série de tradutores, principalmente dos idiomas clássicos, surgiram precisamente nessa época.
Durante o mandato de Dashkova, começou a ser publicada, a partir de 1783, uma nova série de memórias da academia, sob o título de Nova acta acad. scientiarum petropolitanae. Por iniciativa de Dashkova foi fundada a revista Sobessiednik liubitelei rossiskogo slova (O interlocutor dos amantes da palavra russa), de caráter satírico-publicista, que saiu nos anos de 1783 e 1784 e na qual foram publicadas algumas obras da imperatriz Catarina II, da própria Dashkova e do importante político e literato russo Derjávin. Novye ejemesiatchnye sotchineniia (Novas obras mensais) começou a ser editada em 1786 e continuou até 1796. Também se publicava, associada à academia, a coletânea Rossiiskii teatr (Teatro russo), idealizada por Dashkova.
Ocorre que, como resultado de uma intriga de outro favorito de Catarina II, Dashkova provocou o descontentamento da imperatriz por ter publicado na Rossiiskii teatr a tragédia do escritor Kniajnin, Vadim novogorodskii (Vadim de Novgorod, 1795), peça de temática política em que o ocupante do trono russo era tratado como um usurpador. A tragédia foi retirada de circulação, e a princesa conseguiu se explicar perante a imperatriz e esclarecer as circunstâncias da publicação dessa obra. No mesmo ano de 1795, um pedido escrito de Dashkova, solicitando dispensa e licença de dois anos para tratar de assuntos particulares foi parcialmente deferido, e a princesa se mudou de São Petersburgo para Moscou, onde passou a viver, abandonando, por diante disso a direção das duas Academias.
Em 1796, assim que ascendeu ao trono, o Imperador Paulo afastou Dashkova dos cargos por ela ocupados e enviou-a para o exílio numa propriedade distante pertencente ao filho dela, na região de Novgorod. Somente com a cooperação da Imperatriz Maria Fiodoróvna e uma petição escrita endereçada ao Imperador, foi permitido a Dashkova voltar para sua propriedade na gubérnia de Kaluga, e depois para Moscou, onde ela passou a residir, sem voltar a tomar parte nos assuntos políticos e literários. Desse momento em diante, a vida dela esteve estreitamente ligada à propriedade em Trotskoe, que ela levou a uma condição exemplar.
Além dos trabalhos literários já indicados, Dashkova escrevia artigos e peças teatrais, poemas em russo e em francês, traduzia do francês e do inglês e elaborava alguns discursos acadêmicos. De tudo o que escreveu, destacam-se suas memórias, publicadas inicialmente em inglês por Martha Wilmot em 1840, com complementações e alterações. O texto francês das memórias, indubitavelmente pertencente a Dashkova, apareceu mais tarde (Mon histoire, no Arquivo da Princesa Vorontsova, livro XXI). Comunicando muitos testemunhos valiosos e interessantes sobre o golpe de Estado de 1762, sobre a própria vida no estrangeiro, as intrigas da corte e etc., a Princesa Dashkova não se distingue pela imparcialidade e objetividade, louvando a imperatriz sem fornecer muita base fática para os louvores, e, no entanto, deixando transparecer um tom magoado pela ingratidão da monarca. Ainda assim, as memórias são consideradas um importante documento histórico.
A vida da família de Dashkova era um tanto turbulenta. Tanto a filha Anastasia quanto o filho Pavel tiveram casamentos infelizes e protagonizaram vários escândalos. Catarina deserdou a filha, que ocasionalmente se afundava em dívidas e prodigalidade, e a proibiu de visitá-la sequer no leito de morte. Anastasia não teve filhos, e adotou alguns filhos ilegítimos de seu irmão Pavel, que, por sua vez, permanecera num casamento legítimo por pouco tempo, com a filha de um comerciante, sem linhagem nobre ou títulos. Catarina não reconheceu o casamento do filho e só conheceu a noiva quase duas décadas depois, quando Pavel já estava morto.
Dentre os defeitos de Catarina Romanovna, seus contemporâneos faziam menção a uma extraordinária avareza. Diziam que ela tinha comportamentos de uma parcimônia incompatível com a sua posição social. No entanto, a economia de muita verba da Academia e sua administração econômica habilidosa foram um indubitável mérito de Dashkova. Tanto assim que em 1801, quando ascendeu ao trono o Imperador Aleksandr I, os membros da Academia Russa decidiram unanimemente convidar Dashkova para ocupar novamente a cadeira de presidente da Academia, mas ela recusou.
Dashkova morreu em janeiro de 1810 e foi sepultada numa igreja na gubérnia de Kaluga. Até o fim do Século XIX, os vestígios do túmulo já estavam praticamente perdidos. Em 1999, por iniciativa do instituto humanitário moscovita Catarina Romanovna Dashkova, o túmulo foi restaurado, a igreja foi também e uma lápide foi erigida sobre o túmulo.
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