BLOG PARA DIVULGAÇÃO DA LITERATURA RUSSA AOS FALANTES DE LÍNGUA PORTUGUESA.

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Pensamentos florestais

Elena Guro



Tenho 34 anos, mas fugi das minhas próprias visitas. Que sentimento maravilhoso o dos fugitivos! Para que não notassem lá da orla, tive que me deitar com o rosto bem rende ao musgo, aos velhos cones de abeto. O solo da floresta é atapetado com musgo e finas varetas. Na floresta tudo está vestido propriamente com sua irradiação florestal. Na floresta, a gente é mais florestal a cada passo. Tudo o que é florestal é muito exigente — tudo é “não me toques”. E se esconde dos outros de modo inacessível. Escamas laranja vivo caídas de um abeto escuro, varetas encanecidas, sagradas pela chuva: seu inimigo nunca as viu nem as tocou — não perturbou seu tegumento suave, radial e delicado. Exigentes, inexpugnáveis, orgulhosas coisas florestais: agulhas ruivas, brilhantes e velhas, caídas de cima. Um trocinho purpúreo. É possível nem reparar em tudo isso. Quando enfim a gente se aparta quase com dor da floresta, arranca a alma de tudo isso, como um filhote da sua comida, e vai entreter as visitas — é como quando, na infância, vamos fazer dever de casa. A dor da perda de algo profundamente seu. Provavelmente na época era um dano igualmente irreparável e inadmissível. 

É fácil pensar aqui, acontece espontaneamente. Ontem a água da banheira se encheu de agulhas de abetos da floresta. A floresta estava na janela. 

Eu estava pensando, na banheira. Tenho uma conhecida, uma menina cor de palha clara, de carne transparente, quase nublada. A vida dela é um dos meus sonhos. Ela foi criada com um desvelo delicado, delicado, ela sabe que é um cordeirinho celestial, deus da sua mãe e das criadas. Uma moça me lavava e me contava sobre ela — amava-a. “Nossa Tânietchka sempre é mimada desse jeito na banheira”. A madame fala, brincando: “Tragam areia para lavar a Tânietchka com ela!” — “Não, não ousem! — ela diz — Que história é essa de areia?! Cuidado, Sasha, tudo em mim é tão delicado! Perninhas delicadas, costas delicadas!” E dá nomes: uma perna dela é a Masha, a outra é Glafira. Masha é atinada, Glafira é atentada. Começa a bater na água com sua Glafira e banha todas nós. E não conseguem se conter, não importunar um pouco, não começar a acariciar. E ainda havia outra menina. Essa outra, nunca acariciavam, e ela não sabia que tinha um corpo e que era possível admirá-lo. Sempre a apressavam para se vestir depois do banho: o corpo era simplesmente um troço desconfortável que era preciso esconder. Uma vez uma moça nova, enxugando a menina depois do banho, de repente desatou a rir alto e com entusiasmo e a agarrou pela barriga onde um sinal engraçado dava na vista, como uma mosca. A menina injuriou-se incrivelmente, ela mesma sem saber por quê, começou a sapatear: "Como você ousou! Como ousa! Como pôde! Como ousa!" Ela tremia toda de ofensa impotente e incompreensível e de desespero. Assustou e ofendeu a moça. Virou adolescente. Era inadmissivelmente atrevida, e por um ato monstruosamente "contrário à etiqueta" quiseram açoitá-la. Mas mal a mãe estendeu a mão para ela, e ela entrou num frenesi: deu um grito estridente, rasgou o vestido da mãe. Só conseguiram apartá-la depois que a mãe largou a chibata. Todos, provavelmente, pensaram que ela gritara de medo da dor, ninguém nunca adivinhou, é claro, que ela gritava assim por pânico, um medo mortal da injúria de lhe tocarem. 

Por acaso, aqueles que criam as leis sabem que essas leis não punem igualmente, que para um o frio é mortal, já para outro...? Mas condenam a ambos igualmente. Ou, por acaso, para os legisladores, assim como para os pais, dá tudo no mesmo? 

Mas — e isto é amargo — essa capacidade de se injuriar, essa intocabilidade, ela se perde. Eu amo muito ambas as meninas, elas são ambas talentosas e orgulhosas, mas a uma delas eu invejo amargamente. O certo era cuidar da alma como de uma borboleta, afinal, todos entendem que, se queremos manter uma borboleta viva, não dá para esfregá-la com os dedos. 

Esfregam assim, em nós, a nossa essência. 

Ou então, ainda acontece o seguinte — acontece algo repugnante: alguém se aproxima e, sem perguntar se queremos ou não, nos ensina palavras sujas, canta no ouvido um refrão, e então a floresta já não é mais tão florestal, as velinhas das pequenas florezinhas não são tão sagradas e dignas de contos de fadas e há menos felicidade. E já não há o que fazer para voltar ao seu estado especial — não saber —, e você morde as próprias mãos. 

Uma das meninas, eu invejo.



Tradução de Érika Batista. 

(Extraído do livro "Camelinhos celestes", que será publicado pela Editora Feminas. Todos os direitos reservados).

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