MIKHAIL AFANÁSSIEVITCH BULGÁKOV nasceu na capital da Ucrânia, Kíev, em 15 de maio de 1981. Seus dois avôs eram padres ortodoxos, seu pai, teólogo, e a mãe, professora de piano. Ele era o mais velho de sete filhos, tendo dois irmãos e quatro irmãs. Ainda quanto à sua família, os dois tios maternos de Bulgákov eram médicos, o que o influenciou na escolha do curso universitário quando o momento chegou, em 1909.
Bulgákov casou-se pela primeira vez em 1913, com Tatiana Nikolaievna Lappa. Eles já “namoravam” desde 1908, sendo que ambas as famílias se opunham ativamente à relação. O casamento experimentou problemas desde o começo, entre outros motivos, por causa de dificuldades financeiras. Os pais de Tatiana, que contribuíam para o sustento do casal, não gostavam de ver a filha vivendo pobremente, enquanto genro mantinha hábitos de prodigalidade. Antes do casamento, ela estudava História e Letras nos Cursos Superiores Femininos, mas largou os estudos para acompanhar o marido, trabalhando como enfermeira.
Durante a Primeira Guerra Mundial, Bulgákov trabalhou como voluntário da Cruz Vermelha. Formou-se em 1916 na Universidade de Kíev, e depois foi enviado ao povoado de Nikolskoe, na gubérnia de Smolensk, para assumir o comando de um posto de saúde rural. Ali ele especializou-se em venereologia, e vivenciou várias situações desafiadoras relacionadas à profissão, que mais tarde relatou em contos enviados para revistas. Após sua morte, esses contos foram reunidos no livro Notas de um jovem médico.
Também nesse período, durante uma operação de traqueotomia (que inclusive está relatada nas Notas), Bulgákov contraiu difteria. O medicamento que usou para tratar a doença provocava reações alérgicas e ele resolveu injetar morfina em si para combate-las. A medida, porém, transformou-se num hábito e logo em um vício no medicamento, que ele posteriormente também descreveu no conto-novela Morfina. Com a ajuda da esposa, que secretamente foi diluindo e diminuindo as doses de morfina que ele aplicava, ele conseguiu vencer o vício.
Em setembro de 1917, ele foi transferido para a cidade de Viázma, e voltou para Kíev em 1918, onde encontrou a cidade na confusão da Guerra Civil. O Império Russo, do qual Bulgákov era cidadão, fora extinto ainda com a revolução de fevereiro de 1917. Em julho do mesmo ano, a República da Ucrânia passara a existir, ainda como parte da República da Rússia, da qual se declarou independente em janeiro de 1918. Em abril de 1918, um governo ditatorial semimonárquico e antissocialista assumiu o poder, formando o Estado da Ucrânia, ou Hetmanato, que contava com o protetorado do Império Alemão. Finda a primeira guerra mundial com a derrota dos alemães, o Hetmanato perdeu seu apoio estrangeiro e, em novembro de 1918, começou a sofrer os ataques da Diretoria da recém-proclamada República Nacional da Ucrânia. Em dezembro, Bulgákov acabou alistado — se voluntariamente ou não, não há certeza — em um comando de voluntários que tencionavam proteger Kíev dos exércitos da Diretoria, comandados por Simon Petliúra. Não adiantou: os homens de Petliúra desbancaram o Hetmanato e assumiram o comando do país. Mas não puderam governar com tranquilidade, pois tiveram que enfrentar de imediato os bolcheviques da recém-nascida República Soviética da Ucrânia, que tinha o apoio da Rússia.
Então, em fevereiro de 1919, Bulgákov foi mobilizado como médico de campanha pelas tropas de Petliúra, período em que testemunhou episódios traumáticos refletidos em todas as obras posteriores referentes à Guerra Civil: os contos A noite do dia três (1922), A coroa vermelha (1922), As extraordinárias aventuras de um médico (1922) e Eu matei (1926), e o romance A guarda branca (1924-1925), posteriormente adaptado na peça teatral Os dias dos Turbin (1925).
Foi só em 1921 que Bulgákov, mudando-se definitivamente para Moscou, assumiu-se escritor. Passou a colaborar com vários jornais e revistas da capital, escrevendo contos e crônicas. Ingressou na União dos Escritores de Toda a Rússia em 1923. Era o período da NEP (Nova Política Econômica), o que lhe dava um pouco de liberdade para expressar suas opiniões irônicas e pessimistas em relação às conquistas da Revolução. São desse período, por exemplo, "Diabolíada" e "Os ovos fatais", ambas novelas que criticam a burocracia soviética, e contêm críticas mais pesadas ocultas por simbologia.
Em 1924 ele e Tatiana Lappa se separaram. O divórcio foi oficializado em março de 1925 e em abril do mesmo ano ele se casou com Liubov Evguênievna Beloziêrskaia, a quem conhecera no ano anterior.
Após a morte de Lenin, em 1924, a censura foi aos poucos apertando, e, para Bulgákov, tornou-se cada vez mais difícil se publicar. Em 1926, a OGPU (antecessora da KGB) realizou uma busca na casa do escritor, levando consigo o manuscrito de Coração de cachorro e um diário, mais tarde devolvido a Bulgákov, que o incinerou. Uma cópia do diário sobreviveu, todavia, nos arquivos da polícia secreta.
No mesmo ano, a peça “Os dias dos Turbin” foi montada no teatro artístico de Moscou, obtendo grande sucesso e aprovação do próprio Stálin. Dali até o fim da década, Bulgákov sobreviveu como dramaturgo, já que alguma de suas peças foram encenadas com grande sucesso.
A recepção à sua literatura por parte da crítica, porém, era desastrosa. Durante toda a década, na imprensa oficial foram publicados quase 300 artigos resenhas negativas dos livros dele — assinadas até por escritores de renome, como Maiakóvski — contra apenas 3 positivas.
Em 1929, ele conheceu Elena Serguêievna Shílovskaia, que serviu de modelo para a Margarida de sua obra-prima. Em 1930, divorciou-se da segunda esposa, e, dois anos depois, casou-se com Elena, com quem permaneceria até o fim da vida.
Sua última década de vida foi marcada por um ostracismo quase completo dos círculos culturais. Seus textos não eram mais publicados e as peças foram retiradas dos repertórios dos teatros. Ele trabalhou como diretor entre 1930 e 1936 no Teatro Artístico de Moscou, predominantemente montando peças alheias, e chegou a atuar. Ao ter mais uma peça (Moliére) proibida e destruída pela crítica mesmo após uma estreia de estrondoso sucesso, Bulgákov se demitiu em 1936 e foi trabalhar no Teatro Bolshoi como libretista e tradutor. Até uma peça sobre Stálin, que Bulgákov escreveu em 1939 e que, de início, tivera sua encenação autorizada, acabou sendo cancelada por ordem do homenageado, que considerou inadequada a exibição de uma peça sobre si.
A partir daí a saúde de Bulgákov foi declinando, ele começou a perder a visão, e passou o último mês da sua vida de cama, falecendo em 10 de março de 1940, aos 49 anos.
Seu legado literário foi, por muito tempo, desconhecido na URSS. A obra de Bulgákov começou a ser restaurada somente após o falecimento de Stálin, no período do “degelo de Khruchtchióv”, quando a União Soviética experimentou um período de relaxamento do terror e maior liberdade relativa. Em 1963, editaram Notas de um jovem médico e outras obras de menor relevância política aparente.
O mestre e Margarida saiu pela primeira vez na URSS em 1966, em dois números da revista "Moskvá". As duas partes foram impiedosamente decupadas pela censura oficial e pela própria censura interna da redação, que, especialmente no segundo número, reservou várias páginas para um artigo pró-governo para contrabalançar o efeito do romance, deixando pouco espaço para publicar seu final. Ao todo, ficaram de fora dessa primeira publicação, umas quarenta páginas datilografadas do romance.
Mas, após a publicação, a viúva Elena Bulgákova, mandou para o estrangeiro o texto integral do livro e liberou no formato de "samizdat" uma cópia datilografada de todos os cortes da censura com a indicação das linhas e das palavras após as quais aqueles trechos se encaixavam. Este segundo formato se destinava ao leitor soviético que tinha adquirido as revistas com o romance. Ainda em 1967, a editora YMCF-Press, da República, publicou o romance inteiro, e, dois anos mais tarde, a editora "Posev" publicou uma versão que destacava em letra cursiva os pedaços cortados pela censura na publicação em jornal.
Numa pesquisa não exaustiva, foram encontradas as seguintes obras de Bulgákov em português, publicadas até o momento:
- O mestre e Margarida (também traduzido como O mestre e Margarita e Margarita e o mestre). Foram encontradas as seguintes edições, mas pode haver mais:
- Trad. Irineu Franco Perpétuo, Editora 34, 2017
- Trad. Zoia Prestes, Alfaguarra, 2009
- Trad. António Pescada, Público, 2002 (reeditada por Relógio D'Água, 2007. Portugal).
- Trad. Konstantin Asryzantz e Svetlana Kardash, Ars Poetica, 1992
- Trad. Mário Salviano Silva, Nova Fronteira, 1975 (reeditada por Abril, 1985)
- Trad. Ruy Bello, Nosso Tempo, 1969
- Os dias dos Turbin: peça em quatro atos (Baseada no romance A Guarda Branca), Carambaia, 2018
- Morfina, Manuel Tavares Teles. 7 Nós, 2010. (Portugal)
- Diabolíada, &etc, 2006. (Portugal)
- Um Coração de Cachorro e Outras Novelas, Homero Freitas de Andrade, Edusp, 2010. Contém:
- Um Coração de Cachorro
- As Aventuras de Tchítchikov
- Diabolíada
- Os Ovos Fatais
- Além disso, existe o livro “O Diabo Solto em Moscou”, escrito pelo professor Homero Freitas de Andrade (Edusp, 2002), que contém, além da biografia do autor, uma coletânea de prosa autobiográfica do Bulgákov que inclui:
- Relatos de um Médico Jovem (ciclo de contos que contém “A toalha com o galo”, “Batismo de parto”, “Garganta de aço”, “A nevasca”, “As trevas do Egito”, “O olho perdido” e “Erupção de estrelas”).
- A Morfina
- Boemia
- Anotações nos Punhos
- Reminiscência
- O Edifício Elpit-Rabkommuna nº 13
- A Sessão Espírita
- O Relógio da Vida e da Morte (Da realidade)
- A uma Amiga Secreta
- "Era maio..."
- Antologia do humor russo (1832-2014). Org. Arlete Cavaliere. Editora 34, 2018. Conto “O lago de samogon”.
- Clássicos do conto russo. Org. Arlete Cavaliere. Editora 34, 2015. Contos “A coroa vermelha” e “Cenas de Moscou”.
Aqui no blog, você pode ler um pouco mais sobre algumas obras de Bulgákov neste link.
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